quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sobre Confusões.

- Eu... estou indo embora.
Laura estava ali; vulnerável, latente, irritantemente sensível a qualquer apelo que ele fizesse, a qualquer palavra, ou levantar de sobrancelhas.
Era angustiante deixar as coisas para que ele resolvesse, mas essa era a única maneira que ela encontrara para saber o que ele pensava, o que ele queria.
Laura de frente pra Thiago, com aquelas roupas mal-dobradas, enfiadas dentro de uma bolsa qualquer, que era dele, esperando que ele dissesse alguma coisa, atenta a cada expressão fácil, a cada mexer de dedos e tremor de pernas.
Esperando, sinceramente, que ele a pedisse pra ficar, que ele só uma vez, pedisse rapidamente e baixinho, para que ficasse e instantes depois descobriria que muitas das roupas ainda estão no armário, as maquiagens, a escova, as meias e algumas calcinhas. Descobriria toda a farsa que ela armara. Tiago só precisava dizer uma só vez e ela nem tripudiaria, nem exibiria sua vitória, nem se vangloriaria.
Eles se olhavam num silêncio que podia ferir os tímpanos, enquanto os carros e ônibus passavam por de trás das janelas embaçadas, poeira, partículas de pó e de vida. Vestido apertado, maquiagem borrada, salto alto, parecia ter se vestido para uma festa, uma festa que ele não compartilhava. Não tinha alegria nos olhos, nem no rosto, nem na boca de nenhum deles a não ser no brilho dos sapatos pretos dela. Cheiro de whisky, cheiro de whisky barato que ele odiava, copo na estante com cubos de gelo do lado da garrafa vazia de bebida nacional. O bebera inteiro? Não sabia. Não se lembrara, desconhecia a existência dessa garrafa de bebida em sua casa. Mas desde que ela viera morar com ele naquele cubículo, ele já desconhecia todo e qualquer objeto achado de repente pela casa. As coisas dele ela certamente abarrotou naquelas caixas do escritório, não, escritório não, aquilo agora era uma dispensa, como se pudessem ocupar um cômodo só com bobagens, que não faria falta a ninguém.
Ele sabia que era complicado pra ela, tanta mordomia e de repente... De repente o que? O apartamento apertado pra sustentar, contas pra pagar. Sabia que não podia viver de amor o tempo todo, e que aquela situação era diferente da vida que ela tinha antes, mas afinal, de quem foi a maldita idéia de ela sair de casa pra morar com ele? De quem foi a maldita idéia de juntar os trapos pra compartilhar problemas e dívidas e deixar que isso atrapalhasse o amor, o maldito sentimento [seja lá qual for o nome dele] que unia os dois. Tão diferentes. Tão inconstante, tão culta, um nível muito acima dele. Um nível, dois níveis, quem sabe três? Sabia que aquele momento um dia chegaria. Sabia que um dia ela se cansaria de brincar de vida real e voltaria pra sua casinha de bonecas, e não podia fazer nada. Não podia fazer nada que a fizesse ficar.
E ela ali, a sua frente chorando, borrada e derretida, quase ajoelhada, quase implorando um pouco mais de atenção. Um pouco mais de amor das palavras firmes que ele costumava dizer quando as coisas estavam fora de controle como agora. Ele dizia que tudo ia ficar bem, apertando-a ,e ela sabia que ia, porque ele dizia, porque ele a apertava e afirmava com tanta convicção, com tanta maturidade que ele tinha a mais que ela, com tanta coragem que ela sempre admirou. Ele sempre foi mais forte que ela, mais maduro, mais pé no chão, mais consciente de todos os problemas, ela era quem sonhava e ele colocava as vírgulas e pontos nos sonhos dela, o que ela adorava, ter quem a puxasse pra verdade, mas sem desmanchar, sem apagar os sonhos dela.Ela nunca ligou para os problemas, para as contas, só queria que ele fizesse como antes, a pedisse pra ficar calma e fizesse amor com ela no tapete da sala, no meio de cinzeiros e garrafas de vinhos e vodca. E depois abraçados falaria de como as coisas são difíceis, de como ele a ama, e de como nada do que acontecesse poderia interferir nos planos que tinham. Esses eram seus planos. Vinho, amor, cinzeiro.
Mas era ele quem colocava , era ele quem colocava os pontos.E foi o que ele fez, colocou um ponto, final, ele se calou dessa vez. Era assim que ele achava que deveria ser. Ela voltar pra sua casa, pra sua vidinha fácil. Ele realmente achou que o amor dela havia acabado em meio a tantos problemas. Sentou-se no sofá e olhou para a mala feita que ela deixara a seu pé. Levantou a mão e apontou a porta como quem diz, vá. Ela atordoada, foi obrigada a ir embora, virar as costas e a página e sair da casa e da vida dele como se fosse assim sua decisão, sua vontade, pelo menos por hoje. Que dessa vez Thiago preferiu não a pedir pra mudar de idéia, porque ele não a queria infeliz, e julgou-se incapaz de dar o que ela queria, incapaz de um dia a fazer verdadeiramente feliz.



Obs: estava pronto, mas achei que alguns retoques eram válidos.



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9 comentários:

Kaká disse...

Posso dizer pela milésima vez:
Amooo seus textos!


E vc tb!
;D

=*

Anônimo disse...

teus textos são vigorosos e muito bem escritos. o rigor com que os trata demonstra tua vontade em escrever e isso é fantástico. (o blog de textos continua como sempre, o Senso Crítico é apenas para um exercício de escrita que ainda não acertei o jeito certo, na WEB, em nível de síntese.) meu abraço.

Henrique Monteiro disse...

Quem sabe se ela própria não adicionar mais dois pontos finais, não conseguirá as reticências? Nem sempre os fatos acabados são os mais certos. Às vezes é preciso um pouco de possibilidade antes do fim.
Ai, as reticências, terminam aqui...
...e recomeçam aqui.
:)

Ricardo Almeida disse...

Quero sim.
Ah! É bom demais ler vc!
bjs

♥MáH♥ disse...

Um ponto final...e calar-se de vez.
Ai ai... acho que seus textos são a única ponte que me leva ao meu ex... me faz reviver a despedida, sempre.
Incrível isso...

Bjinhus

Francine Esqueda disse...

Olá!!! Passei mesmo para fuçar nas suas imagens... já deixei meu coments lá! Quanto aqui... estou adorando seus textos!
Obrigada pela visita!
Espero que sua semana seja mais que maravilhosa!
Abraços apertados,
FRAN

BeTa DaYrElL disse...

Bom saber que alguém realmente le o que eun escrevo...

^^

espero q fique bem né rs

depis passo por aki com mais tempo pra ler seus textos (e vou mesmo)


=**

Anônimo disse...

Recadinho prá você lá no meu blog...
;-)
Beijos!

Alessandra Castro disse...

Lindo lindo, um texto belo e coerente. Não tem como naum se indentificar com o sofrimento do casal. Homens...tão insensiveis.