segunda-feira, 30 de junho de 2008

Conto de Verão Nº8 A separação:

O nome dela era Ada Zácaro e o dele Zeno Adams e foi isso que os aproximou.
Não importava se a chamada fosse feita pelo primeiro nome ou pelo último, estavam sempre em extremidades opostas.
Um dia comentaram isso no pátio da escola, nem sonhando que em pouco tempo ela estaria no altar ao lado dele, dizendo sim,
sim eu quero, sim, ser Adam Adams, primeira em qualquer chamada, e foi a primeira vez que se falaram.
O alfabeto inteiro os separava, mas tudo o mais os unia, principalmente os hormônios.. Estudaram juntos para o vestibular.
Estudaram juntos para o vestibular. Português, física, química e - numa tarde especialmente primaveril, sim, sim, eu quero,
sim- anatomia. Casaram-se, e não me lembro de um casal mais apaixonado. Dele lamber o braço dela em público, como aconteceu um dia na nossa frente.
Em casa, depois minha mulher disse "você nunca lambeu meu braço em público", mas depois completou, sensatamente, "graças a deus".
Com eles não tinha o sensatamente. Viviam se agarrando em qualquer lugar e contavam a história do alfabeto que os separava como se o
amor deles fosse uma vitória sobre o destino, e sua paixão uma forma de insubordinação aos deuses.
Deviam ter dado mais atenção ao alfabeto do que à química, no entanto, porque depois do casamento foram aos poucos descobrindo o que,
além da paixão, se se beijassem menos e conversassem mais, já saberiam. Ela, por exemplo, detestava o Schwarzenegger,
ele não agüentava o Caetano. Divergiam em tudo. Comidas (ele embutidos, ela saladas). Pavores (ela barata e cigana, ele aranha e mímica).
Mas, principalmente, divergiam no clima. Ela adorava o calor, ele preferia o frio. No verão, ela, que já era morena, ficava preta.
Passava os dias no sol. Ele considerava o sol um tirano e vivia na sombra como quem vive em clandestinidade.
Se emocionava quando falava em ar-condicionado. No fim do verão estava mais branco do que no começo.
Na cama eram qualhada com pato laqueado. Depois não era nem mais isso. Começaram a se afastar. Camas separadas, depois quartos separados,
depois ela no apartamento e ele num apart-hotel, depois ela no Rio e ele em Buenos Aires, depois ela em Manaus ele na patagônia,
e agora me contaram que ela está vivendo na áfrica Equatorial, e ele numa ilha lá aquela ponta onde Chile e Argentina disputam a custódia dos pingüins.
E o curioso é isto: não se divorciaram. Ela foi à África fazer alguma coisa ligada à educação, mas hoje não faz mais nada e vive numa praia,
e dizem que está uma passa. E pede: “contem pra ele, contem pra ele”. Ele diz que foi pra tal ilha fazer pesquisa - mas dizem que sua única
ocupação é evitar que o vento o arraste para o mar. Ele parece um palhaço com a cara muito branca, o nariz vermelho e as extremidades
da boca puxadas para baixo numa eterna expressão de desgosto com a vida. E pergunta "ela está sabendo? ela está sabendo?”.
Só falam m no outro. Minha mulher comentou que eles se separaram ardentemente, que a deles é uma separação mais apaixonada
do que o casamento, e disse "Ainda bem que a gente combina em tudo, né bem?". Mas ficou com o olhar perdido, pensando na Ada
e no Zeno. Ada e Zeno, com o mundo entre eles, incapazes de se desligar. Mulher tem essa coisa romântica um pouco doentia, acha não?


Luis Fernando Verissimo.



Obs: Eu não tenho escrito nada que se valha a pena ler. Então, fiquem com verissimo e eu fico com os rascunhos mal elaborados. Divisão justa, acreditem.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Sobre Cartas

~~Tem tantas coisas que eu achei que você precisasse saber... E eu queria que você soubesse pelo menos algumas dessas coisas.
~~Eu sei que você sabe que eu nunca durmo quando você vem. Mas você tinha que saber que, não meu bem, você não me incomoda, mas é que você me vem tão pouco que eu não quero perder nenhum segundo quando estou do seu lado, que eu passo essas duas noites da semana acordado, olhando você dormir, enquanto respira. Eu queria tanto saber o que você sonha quando no meio da noite você suspira e sorri aquele sorriso doce de quando você vê o mar. E nas noites frias como você se encolhe fazendo caretas até que eu lhe coloque um cobertor. Eu sei que você ouve nos seus sonhos as canções que eu escuto nas madrugadas: Caetano, Marisa, Chico, Elis... E quando você vai embora antes de entra no ônibus você diz: - Procure dormir, meu bem.
~~Essa noite eu pensei que você deveria saber que o meu passado talvez não tenha passado. Você entende? Eu não queria que ficasse com medo, eu não queria que ficasse insegura, eu sou toda tua, meu bem, só tua. Sabe quando alguém se torna importante pra você? Eu não saberia te explicar, se não já teria dito antes. O que eu queria que soubesse é que eu me importo com você, você é especial pra mim, como uma outra pessoa já foi um dia, mas meu coração carrega mágoas, promessas não cumpridas, amores platônicos, sentimentos abafados e é preciso compreender, é preciso conviver. Eu não quero brigar por isso.
~~Essa noite, pensei em te dizer que, muitas vezes, quando eu descansava em seu pescoço, eu fechava meus olhos e sentia teu cheiro só pra conseguir te imaginar quando não está aqui. E que quando abraço o travesseiro sentindo o seu perfume é como se você estivesse aqui, é quando eu consigo dormir melhor.
~~Essa noite, quando me peguei te olhando e querendo te dizer tanta coisa, quis dizer que eu gosto de te escrever, de te ler, te descrever e que eu gosto quando me lê, mesmo que eu nunca te pessa, e mesmo que eu vá escrevendo e jogando todos esses pedaços de papéis rabiscados nessa gaveta abarrotada, bagunçada. E queria te dizer que me dispo inteiramente nesses bilhetes colocados estrategicamente nas suas coisas e que essas frases, poemas e versinhos de música são o que realmente sinto, sinceramente sinto por ti amor.
~~E essa noite eu pensei que talvez pudesse te contar como eu me sinto. E eu quis sussurrar no seu ouvido canções de amor pra você sonhar com a cena que melhor lhe convir enquanto eu canto. Não seria perfeito, amor? Você poderia me imaginar como quisesse e eu nem saberia a quem você está vendo, mas você saberia que era eu, por trás de toda aquela falsa materialização e você acordaria distribuindo sorrisos a todas as flores do jardim. Eu quis dizer como era, quis dizer coisas belas, revelar meus sentimentos. Mas amor, escrevi-te uma carta, que fala sobre coisas, coisas que eu sinto, coisas que existem além do que você sabe. Amor, eu te escrevi uma carta, á tinta, papel reciclado. Uma carta que talvez não chegue até você. Mas é sua. E ficará nessa gaveta. E mesmo que você não leia, tudo que eu achei que deveria te dizer essa noite, eu já disse. Eu fui honesta, eu fui sincera, escrevi o que você precisava saber e eu já não tenho mais necessidade de contar. Abro a gaveta e deixo sua carta, aberta, mexida. Nessa gaveta é como se você já soubesse.

sábado, 7 de junho de 2008

Sobre Dificuldades.

Era difícil ser ela... Falava tanto dos seus sentimentos das horas vagas dos barulhos, das histórias e às vezes com a mesma intensidade esperava ouvir; histórias de um dia cansativo, besteiras do cotidiano profissional, confissões, qualquer coisa.
Era difícil ser ela... Com toda aquela beleza extravagante, aquelas formas tão ainda juvenis que encantava a todos que a viam, até mesmo pessoas do mesmo sexo. Pois sabia se portar, se vestir sem toda aquela vulgaridade que às vezes via e não entendia. Mas tanta formosura a obrigava a duvidar várias vezes das intenções alheias, para o seu próprio bem.
Era difícil ser ela.... Trabalhar com tanta gente, ter que saber o nome de cada funcionário ali. Organizar-se, esforçar-se dedicar-se pra no fim levar um culpa em suas costas que não lhe pertencia.
Era difícil ser ela... Desavenças com a família que não entendia o caminho que ela queria seguir, não entendia que ela amava a todos, mas não podia em hipótese alguma abdicar de suas vontades para as vontades alheias, não podia abdicar de sua alegria para a alegria alheia, como vira sua mãe fazer várias vezes enquanto em silêncio, no canto, sozinha, a condenava por isso.
Era difícil ser ela... Os dias eram cansativos, pesados, entendiantes, duradouros...

Era difícil ser ele... Aceitar que ela ganhasse mais e por isso também pagasse mais das despesas da casa, arrancava fortemente o brio de todo aquele machismo antiquado cravado nele, herdado do pai. Vivia esperando alguma grande promoção que aumentasse o ordenado, mandava currículo para firmas novas e não demoraria para que subisse na vida, ele, sua competência, sua determinação e seu machismo.
Era difícil ser ele... Tão inseguro, tentando agradar a todos, o máximo que conseguia, sentindo perder ela a cada manhã que acordava, pois o tempo passava... E não há nada pior do que o tempo, que desgasta, que corrói, deteriora, enferruja. E isso abrange não só os relacionamentos, inclui também os sonhos que aos poucos se tornam menos viáveis.
Era difícil ser ele... Querer falar explicar o que ela não entendia, o que ela não sabia, mas gostava tanto da voz dela, de como ela sorria docilmente quando falava de como estavam bonitas as rosas que plantaram juntos, então ele nessas horas se esquecia do que queria falar e ficava olhando pra ela a contar como depois por o adubo regariam as plantas no Domingo.
Era difícil ser ele... Que às vezes queria jogar tudo pro alto e fugir com ela, pra qualquer lugar que ela quisesse, que às vezes queria chorar no colo dela como fazia quando eram pirralhos e ele contava pra ela desilusões das namoradas de colegial.
Era difícil ser ele... Aceitar tanta independência tanta precisão, tanta inversão de papéis a falta que ela fazia a falta que fazia um filho dela e que sua mãe lhes cobrava tanto nos almoços de família.

Mas no fim do dia, quando se deitavam, juntos, cansados de mais um dia banal de trabalho, se equilibravam entre o calor das mãos quentes dele e o gelado dos pés frios dela.
E por se completarem, por se entenderem, se aceitarem, se quererem agradeciam todos os dias em uma qualquer oração que faziam fielmente, todas as noites, depois daquele cordial "Boa noite, meu bem.”.