quinta-feira, 24 de abril de 2008

Sobre Abandono

Não se preocupe, eu gosto de ficar sozinho às vezes, ficar na solidão entende? Curtir uma fossa como diria você!
Pra que companhia? Pra que querer contagiar alguém com essa loucura incessante, com essa mania doentia de tentar me expor? Pra que dizer tudo que se sente? Se fosse pra todo mundo saber a gente não teria aprendido a mentir (e tão bem, diga-se de passagem) não teríamos aprendido a fingir expressões e a conversar com Deus.
Escrever pra que? Se você sabe o que eu sinto, se as pessoas sabem o que eu vou dizer, porque é tudo tão repetitivo não é? Falar pra que? Se eu só fui entender depois de você que não adianta mais nada nossa cordialidade, não adianta mais nada nossa sentimentalidade!
Ha. Não chora amor. Não é que eu não queira saber o que você sente, só que se você disser que me ama eu não vou conseguir ir embora, e você sabe que eu preciso, que vai ser bom pra nós dois antecipar esse qualquer fim trágico que virá daqui a pouco.
Ha. Chora amor... Que a dor se dilui em lágrimas, não, não é sal, as lágrimas tem o gosto amargo de um coração afogado em dores qualquer..
Podes escorar no meu ombro que eu não espero a dor passar porque ela só dará lugar a mágoas e lembranças e saudosas, doloridas ,ainda assim, de nostalgia. Mas sim meu bem, eu espero você dormir, mas depois eu vou embora, vou te olhar dormindo mais uma vez, e pela última vez. Até que o nosso nunca mais possa acabar um dia, assim como o nosso pra sempre acaba aqui. Com uma garrafa vazia de vodka nacional, um cinzeiro cheio de bitucas e cinzas, um cheiro de sexo, roupas jogadas e os cacos dos copos e vasos que você vai quebrar quando acordar, quase imaginando na parede o meu desenho, desejando profundamente que o meu carro bata contra o muro da esquina ou caia daquela ponte antiga no meio da cidade.
Não responda a nenhuma carta que eu mandar querida. Cartas que estarão datadas de dias frios, nebulosos e alcoolizados. Dias em que vou estar sozinho em algum hotel, desejando alguma mulher que saiba fazer o que você faz, talvez depois de te escrever dizendo coisas melosas eu chame uma puta qualquer do hotel pra dar uma boa trepada.Você me conhece, sabe o quão sedutor e romântico eu posso ser com todo esse tesão reprimido.
Não responda as minhas cartas, se possível nem as leia, pense qualquer coisa ruim de mim e evite quebrar mais vasos, você sabe aquele papo de não-me-venha-com-arrependimentos-amor-já-é-tarde-demais. Engraçado que se você me dissesse isso agora, eu não precisaria tentar te convencer que isso é o certo, enquanto você bêbada e trôpega quase não me ouve.
Não me ligue querida, não me deixe te confundir outra vez. É claro que amanhã eu vou querer ouvir tua voz, amanhã eu vou querer me embebedar de você, mas eu preciso aproveitar esse súbito ataque de lucidez nessa noite embriagada pra fazer o que é certo, você sabe, bebidas me dão coragem, como quando bêbado eu fui pedir a tua mãe que te deixasse namorar comigo.
Não faça isso meu bem, não adianta se cortar, não adianta me bater, ou arranhar as paredes e rasgar os lençóis. Essa dor que não é só tua não vai sair, não vai doer como tuas cólicas e arranhões e volta e meia vai latejar doidamente em algum lugar entre o estomago, a bexiga e o pulmão, como se crescesse dentro de você e te impedisse de respirar.
Ha. Calma aí. Você já sentiu essa dor alguma vez, eu não fui, nem serei o único a quebrar seu coraçãozinho princesa. Vamos ser realistas, o que foi que eu te dei? Algumas brigas feias com teus pais, uma casa apertada, o trabalho cansativo pra ajudar a comer essa comida ruim de anteontem, um pouco de diversão, bebidas alcoólicas, enjôos, incompreensão, falta de carinho.
Oh meu bem, volta pra tua casa, volta pros teus pais, retoma um pouco da dignidade que brilhava nesse teu olhar, dedica-se mais aos teus estudos, retoma teu tempo.
Vem meu bem, eu te levo até o banheiro. Ta tudo bem, querida eu seguro teu cabelo. E enquanto você pensa se eu estou falando sério ou se só vai durar até amanha, eu cuido pra que você não suje mais nada além da privada, e cuido da ânsia que me dá de te ver assim, jogada no chão sujo e frio dessa casa que até ontem não nos incomodava.
Deixe estar que tudo vai passar, prenda teu cabelo, lave teu rosto, escove teus dentes que eu ponho aquele café forte e morno naqueles copos de requeijão pra você.Isso, toma um pouco!
Venha se deite aqui na cama, enquanto eu arrumo um pouco do que não vai pro lixo amanha, porque aí você só terá mesmo que jogar tudo fora, lavar as coisas sujas, passar tudo a limpo. Se cobre, eu tiro tua roupa com cheiro insuportável de álcool, guaranás baratos e queijos mofados, sem olhar pro teu corpo agora de calcinha.
Te faço uns cafunés, os últimos, te beijo a boca de hortelã, e assim que dormires, eu vou embora. Jogo as chaves de baixo da porta e deixo com você meus discos. A roupa alguém busca depois.
Deixo pra você também minha outra metade, só por garantia, que é pra não correr o risco de um dia eu voltar atrás.
Ha não se preocupe amor... Eu gosto de ficar sozinho às vezes, ficar na solidão entende? Ou curtir uma fossa como você diria..

Adrielly Soares ( 08/04/08 )

domingo, 20 de abril de 2008

Sobre Unilateralidade.

.Não esse não vai ser mais um conto, um conto desses meus normais. Não, por favor, não confunda não-normal, com algo especial, eu não teria essa pretensão. O que eu quero dizer com “não-normal” é que ele é, só, diferente, sem ser excepcional... Me compliquei, não foi? Tudo bem. Acontece que ele não vai ser igual ao outros, em que a narradora (ou quem quer que seja) brincando de Deus, em sua clarividência, sabe de tudo que se passa em todos os lugares e pensamentos. Sabe o que “Ela” e “Ele” pensam ao mesmo tempo.
.Dessa vez eu serei, um tanto quanto, mais realista na minha unilateralidade. ! Não é assim que você chama? Unilateral. Eu até que gosto dessa palavra... Talvez gostasse mais se você não tentasse me ofender, dizendo que eu sou unilateral em excesso na tal da “vida real” como você chama. Mas o que você talvez não saiba que SIM realmente “a arte imita a vida” ou vice-versa... Eu só sei que as duas são tão interligadas em mim, que às vezes é difícil saber o que imitou o que, o que veio primeiro, se a idéia, ou a inspiração. Você me entende?
.Talvez toda essa omnipresença ou omnipotência, sei lá, desses narradores ou personagens, sejam só uma maneira de eu tentar entender o porquê de determinadas reações, talvez seja um jeito de eu tentar adquirir um pouco dessa bilateralidade toda. Mas talvez toda essa tentativa só esgote a minha bilateralidade em algo que não seja você, você não, (olha a unilateralidade de novo) nós dois. Você me entende?
.Ta tudo bem, eu também não entendo você às vezes, mas porque tanta necessidade de entender? Não dá pra aceitar-mos sem entender? Como a maioria das pessoas faz com a filosofia? Ou algumas mulheres com o futebol? Será que não podemos pular essa parte do entendimento e irmos direto para a aceitação? Algo como engolir sem mastigar? Aceitar sem reclamar?
.Acho (unilateralmente) que a única coisa que devemos entender é afinal, o que, nesse turbilhão de coisas é que nos faz querer tanto um ao outro. E destrinchar, desmanchar tudo, jogando fora a precisão, o medo, a solidão, até acharmos o que sobra. Sabe, eu queria que sobrasse amor. Eu queria muito que sobrasse amor.
.Mas e o conto? Sim, o meu conto. É sobre uma menina, sim uma menina sim. E o que tem essa menina? Ela está no quarto, trancada, no escuro. No teto algumas figuras estranhas dançam no ar penduradas por um fio bastante fino de linha branca. E eu consigo vê-las, ela consegue, (sim eu, ela) porque a luz do som que está ligado dá um tom de quase escuridão.
.Alguma música que toca, que ela mesma colocou, aquela que ela, eu, acha, que ele, você, gosta, sabe?

“And I'll always be waiting for you...”

.E suspira de olhos fechados… Sentindo devagar algum sentimento que sobe a cintura e sentindo um arrepio que da cintura desce, enquanto alguma coisa quente e salgada sai em fio dos seus olhos, escorrendo até molhar o lençol em que ela se deita.
.Você saber por que ela chora? Eu sei. Ela chora porque ela quer muito alguém. Ela chora porque ela ama alguém mais do que a ela mesma. “Sem personalidade” diriam alguns... “Sem amor próprio” ou até “Coitada, tão tola”. Egoístas. Todos. Não sabem o sacrifício que é abdicar pelo outro, sabe esse negócio de amar exige esforço. Ela é generosa e não egoísta.
.Mas fundamentalmente não era por isso que ela chorava. O relacionamento dela não ia muito bem há algum tempo. Eles se desentendiam tanto, brigavam tanto, mas se amavam tanto. Às vezes nessas noites de sentimentos cintura acima, cintura abaixo, olhos afora, narinas adentro, ela queria tanto que ele dissesse que tudo ia ficar bem, queria que ele dissesse o que ele pensava, sentia, vivia, fazia. Ela queria saber dele, dos tormentos e dos medos dele. Ela estava tão cansada de saber dela, ser dela e ter só a ela. .
.Não, eu não vou me estender! Meu conto é sobre uma menina que chora sozinha, no escuro do seu quarto, por querer saber do namorado, ser do namorado, ter o namorado.
.E sabe, eu não posso mudar o rumo dessa história, não posso fazê-la sofrer menos, porque eu não sei o que Ele pensa, o que Ele quer. E eu não posso sequer prosseguir com essa história, porque nesse conto, eu, ela, a narradora, é, somos, não-omnipotentes, não-omnipresentes.
.Então, ela vai chorar ouvindo

“Oh, did you want me to change? Well, I’ve changed for good”

até conseguir pegar no sono.
.Sentiu a unilateralidade nisso tudo ? Então, é isso, eu estou tentando esgotá-la!

Adrielly
17/04/07

PS: Desilusões amorosas sempre ajudam. Que continue assim.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Sobre Suficiência.

De longe eu não sou quem você, ou sua mãe, sonhou pra você. Tampouco você é aquela pessoa a qual eu me referia de boca cheia em minhas orações. Eu odeio os seus vícios, odeio suas manias, os seus gostos, as suas músicas, as suas comidas preferidas. Eu odeio o jeito como não me ouve, odeio o seu orgulho, a sua independência, eu odeio a sua falta de consideração, eu odeio o jeito como me ama, eu odeio seu desapego, eu odeio tudo que em você se refere a mim. Mas e se eu te disser isso? E se você decidir e perceber que eu não sou alguém pra você? E se você decidir que eu não faço falta em sua vida? No seu dia-a-dia? Não importa. Eu só preciso que você saiba que mesmo com tudo isso é do seu lado que eu tenho os melhores momentos, os melhores sentimentos, os melhores sorrisos, as melhores alegrias.


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Escrevendo menos, lendo muito. Lendo muitas coisas que me traduzem e me tiram a necessidade de escrever. Desculpem o descaso aqui. Remexendo arquivos e postanto o que já senti, uma vez e mais uma vez e uma vez mais. Recomendo: Clarice Lispector e Caio Fernado Abreu ( Amo! ).

domingo, 6 de abril de 2008

Sobre Confusões.

Não que ela quisesse estar em algum lugar especial, ela só não queria estar ali. Naquela sala cheia de gente dispersa, onde se podia contar nos dedos as pessoas que realmente queriam saber da inserção da Economia nas Ciências Sociais. E enquanto o homem de cabelos quase calvos falava a frente de todos, alguns mexiam em seus celulares, mp5 e tecnologias do escambal a 4, outros simplesmente fingiam que ouviam e outros liam ou escreviam como ela. Talvez quem estivesse ali na frente nem percebesse ou nem ligasse, não faz mal.
Não que ela soubesse o que queria que ele dissesse, só não queria que ele tivesse dito aquilo ali. Aquilo que ela cabisbaixa e concentrada lia durante a palestra. Ela só esperava mais, e sabe como dói esperar mais do que se pode receber? Dói como rejeição, como esforço que se torna inútil por não ser reconhecido. Dói como pisar em pregos, dói como a incapacidade de se dar por inteiro, e dar sempre menos do que o outro precisa, mas isso ela não entendia porque ela era todo amor, ela era toda entregue.
Não que ela não entendia que existissem formas diferentes de amar, só não achava que esse fosse o caso. Não achava ser provável a hipótese de ele amá-la de um jeito diferente. Porque amor é amor. E de maneiras diferentes enlouquece, desmancha, destrói, enfraquece. E ela não via isso nele, não sentia isso nele. Mas isso , como ele dizia na carta, doía nele também e o enlouquecia, o desmanchava, o destruía, o enfraquecia.
Não que eles não se dessem bem, só não se entendiam.
Não que eles não se aceitassem, só que se esclareciam.
Não que eles não pudessem ficar juntos, só... Não nasceram para isso.