quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre Ter a Cabeça nas Estrelas

Tinha doze anos, doze. Gostava de pensar que era uma pré-adolescente, e não uma criança como seu pai insistia em dizer quando não queria permitir que ela fizesse algo. Dizia: "mas meu bem, ela ainda é uma criança!" dizia o pai para a mãe na cozinha, ela gritava da sala num tom suave que não era afronta "uma pré-adolescente, pai", mas ele sempre findava com: "ok, pré-adolescente, você não vai, e ponto".

Como uma pré-adolescente achava que morreria por não ir aonde todo mundo ia, por não ter as roupas que queria, por não usar o tênis da moda, por não conhecer a banda do momento e achava, coisa linda e irritante em pré-adolescente, que tudo é pra sempre. O amor pela banda que conheceu há dois dias, o amor pela amiga que fez esse ano, o amor pelo garoto mais popular do colégio.

A única coisa que ela tinha, naquela época, que na verdade perduraria pro resto da vida, era o amor, fascinação pelas estrelas. Olhava as estrelas todas as noites, o seu pai lhe ensinou. ‘Só não conte, nasce verruga na ponta do nariz’. Nunca se atreveu. Adolescente que era custava a tolerar aquela espinha que havia saído acima do canto esquerdo da boca. Alguma coisa lá em cima chamava por ela, no céu, entre as estrelas. Ela mesma tinha a cabeça entre elas.

O menino popular, o qual citei um pouco antes, se chamava Danilo. E ele parecia ter saído de um comercial de margarina, vistoso que era. Cabelos caindo na testa que ele nem precisava usar nas mãos para tirar, era só mexer pro lado, tão liso, ia sozinho. Olhos que mais pareciam o mar, tão claros que eram, vontade de mergulhar, pra não sair, pra se afogar. Boca desenhada, bochechas rosadas, parecia estar sempre com vergonha. E tudo isso ela pode ver melhor quando ele se aproximou, perguntou seu nome, sua idade, sua série, perguntou também porque andava com a menina da oitava D, se ela ainda estava na Sexta A. ‘Eu me chamo Bianca, fiz 12 anos, dois dias depois do seu aniversário. ’ ‘É, aquela menina é minha prima, ela faltou hoje.’ , respondeu.

Ele ficou sentado ainda do lado dela, esperando ela comer o sanduíche natural, vegetariana? Não, tem frango, aceita? Não, já comi alguma coisa. Era tão lindo que nem queria mais comer, só queria olhar pra ele, quando ele olhava, ela desviava, só um pouco depois de olhar no fundo daqueles olhos cor de mar, queria sair da areia, dar um mergulho, mas se sentia tão patinho feio perto dele. Bateu o sinal, vontade de brigar com a professora que insistia em apertar a campainha três vezes para que todos voltassem pra sala, matar aula quem sabe? Não, preservaria seus 92 no boletim, preservaria seu 100% de presença, seu histórico impecável de menina inteligente. Inteligente era, mas muito avoada também. Tinha a cabeça nas estrelas, nem percebeu.

Voltou pra casa se sentindo um patinho enturmado, mas era o patinho feio ainda, um dia voaria pra encontrar seus cisnes, mas ainda não era tempo, ainda não. Ligou pra prima: você não acredita o que me aconteceu hoje, o menino do primeiro ano, é, lógico, o Danilo, ele mesmo, veio falar comigo, como falar o que? Falar oras, já não é um bom sinal? Disse que já tinha me visto andar pela escola antes, perguntou algumas coisas, o sinal bateu. Eu? O que eu podia fazer além de responder o que ele perguntava? Eu sei, mas conversamos bem. Você acha que o cumprimento amanhã? É? você tem razão, não falte amanhã, beijo.

No outro dia no colégio, ele veio conversar, estavam as duas, ele veio falar, perguntou algumas coisas para a prima, respondeu, eles riam... Ela nem tanto. Às vezes vinha falar com ela sem a prima perto, mas a prima estava sempre presente nos assuntos. Tão avoada nem percebeu.

Festa junina, coisa de escola, ela tomou coragem, depois de se revirar a noite toda na cama sem dormir, só pensando em convidá-lo ou não para ser seu par, rei da pipoca, rainha da pipoca, vamos disputar, juntos, quem sabe? Ela criou coragem, disse meio ensaiado e mesmo assim embolado: quero ser sua... Seu... par... Quer seu meu? Par, rei da pipoca? Vamos disputar? Prometo, me esforço.

Ele disse que não dava... Já tinha par. O coração dela podia se ver desmanchando no chão, espalhando, como bexiga que se enche de água em brincadeira e cai, estourando no chão, molhando todo chão da sala, fazendo bagunça. Vaso quebrado, impossível juntar os pedaços, deixa no chão, alguém um dia junta, voltar como era quase impossível.

Antes de seus olhos encherem completamente de água e sal, ainda teve forças de perguntar com quem ele iria, ele sorriu, o sorriso mais bonito que ela já tinha visto até aquele dia:

- Tua prima, ele disse.
Ela olhou pro lado, procurou, disse: - onde?
- Não! Eu vou com tua prima.
- Sejam Felizes!- ainda saiu da boca molhada de uma lágrima que acabava de chegar ao canto superior esquerdo do lábio inferior.

Trancou-se no banheiro, danem-se os 92 no boletim, danem-se os 100% de freqüência, não sairia de lá por nada, enquanto não chorasse todas as lágrimas entaladas na garganta. Toda vez que alguém entrava no banheiro, chorava baixinho, choro desgovernado, mas silencioso. Jurou que ainda acharia seus companheiros cisnes e que, quando achasse, não se lembraria mais de nada. Sabia que havia algum motivo pra gostar tanto do céu, não fora feita pra coisas terrenas, não gostava mais de praia, cansou de ficar na areia esperando sua vez de mergulhar, nunca chegava, alguém tinha que vigiar de longe, tinha medo de se afogar.

Na festa junina então, ele todo bonito, ficaria lindo de cavanhaque quando crescesse, a prima de noivinha, segurando o braço dele, riam tanto que parecia deboche, parecia que riam do engano dela, da confusão que ela fez por ter achado que, por um instante, podia ser ela, que podia ser por ela tanto cuidado na aproximação, mas não, ele fora ainda mais cuidadoso com a prima, foi sondando, rodeando, até chegar mais perto dela.

Depois de dançarem ele se separou da prima por um instante, foi comprar pipoca, e ela na fila, na frente dele, ele a cutucou no ombro, ela olhou, se assustou, ele disse: “ Você está tão bonita, como eu nunca vi! Quando crescer, será uma linda garota.” Falou isso com o sorriso mais bonito que ela já tinha visto nele até aquele dia. Ela agradeceu, pediu uma pipoca, ele completou: “Eu ainda nem te agradeci por ter me aproximado da tua prima, obrigado, se não fosse por você!” “Não há de que.” Ele pediu duas pipocas, ela saiu, tinha cansado de festa junina, sempre a mesma coisa, semana que vem teria outra, resolveu ir embora.

Em verdade achou sim, naqueles primeiros dias e depois no sorriso mais bonito que ele deu, que poderia ser ela a rainha dele. Magoou-se, enganou-se... Mas, ela ficaria bem, afinal, sonhar demais é coisa freqüente pra quem vive com a cabeça nas estrelas.

"Ai, que saudades que eu tenho
dos meus doze anos.
Que saudade ingrata!"


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