terça-feira, 4 de maio de 2010

Sobre Suicídio

 Oi,
 Isso era pra ser uma visita, mas espero que entenda, ao decorrer deste e-mail, os meus motivos de não tê-lo visitado ainda.
 Magnífico isso não é? Toda essa tecnologia à nossa disposição sendo desperdiçada e/ou utilizada com tanta má fé. Você e eu estamos na mesma cidade e se quer conseguimos nos ver, ao não ser pela webcam!
 Não quero que esse e-mail soe como um tapa na cara, mas acho que talvez isso seja impossível.

 Você me diz que toda a sua vida desandou sem ele. Nada ao seu redor desandou, foi você quem perdeu o jeito de lidar com todas as coisas. Talvez porque fizesse tudo de um jeito artificial que não era seu, mas eu entendo isso, o que eu não entendo é: como é que você deixou as coisas chegarem a esse ponto tão crítico? Suicídio não é a solução. Você deve estar pensando, 'olha ela aí tentando dar lição de moral sem moral nenhuma'. É exatamente por ter tentado que sei que não é a solução, mas serve de marco. Sabe, a minha última tentativa de suicídio foi o começo de uma vida nova pra mim. Eu vi que eu gostava demais de viver, que eu gostava demais de mandar em mim mesma, que eu gostava demais de ser dona do meu destino, do meu fim de semana, do meu horário, da minha vida; descobri o quanto eu sentia prazer em sentir a água quente cair no meu rosto e depois percorrer o meu corpo todo e descer as pernas; descobri que eu também sabia ficar sozinha.

 Te falta isso, autoridade na sua própria vida.
 Sabe Ju, as minhas tentativas eram de atingir o ápice da felicidade, e não de acabar com a tristeza. Eu nunca fiz isso por outra pessoa, porque não acho que valha a pena, embora fosse funcionar.
 Ele não quer você. Não quer desde antes das mentiras que você contou, e não é espalhando pra todo mundo que está fazendo terapia, ou tomando remédios em excesso, ou chorando em todos os lugares, ou desmaiando no trabalho, ou parando de comer que ele vai voltar de vez. Volta sim, por pena, e por pouco tempo. Ele não te faz feliz, nunca fez. Você jogou nele todos os seus medos, todas as suas frustrações e seguiu em frente como se nada disso tivesse acontecido. Você trocou de vida com ele e o fazia cada vez menor. Você o diminuía em frente às pessoas e o exaltava na cama entre quatro paredes, você o usou. E continua usando até hoje pra tentar ter um pouco de satisfação nessa sua vida medíocre. Você sabe que fez isso e por isso ele te deixou, não foi pela mentira, não foi pela traição, não foi por você ter gritado, não foi por você ter expulsado ele de casa.

 Você diz que o mundo à sua volta está caindo lentamente em desgraça, mas você é quem vê assim. Você é quem deixa as pessoas ao seu redor sem saber o que fazer pra te ajudar. Você está no fundo do poço e tem milhares de braços esticados na sua direção prontos pra te puxar, mas parece que o sol te cega e você não consegue ver nenhuma ajuda.
 Eu queria te dizer tudo de novo sobre como fazer, ou o que fazer, mas acho que cada um adapta a solução à seu jeito, e fazendo terapia talvez você aprenda a se conhecer e a sair do lugar de onde você mesmo se enfiou. Sobre o suicídio, eu nunca soube decidir se os corajosos são os que enfrentam seus problemas na terra, ou se são aqueles que têm a coragem de tirar a sua própria vida. Depois eu percebi que nenhuma dessas respostas seria verdade universal, porque tem gente que tem medo da morte, então ele seria corajoso se fizesse como nós fizemos. Mas tem gente que vive desafiando a morte e morre de medo de enfrentar os problemas e as decepções que a vida pode causar, esse seria mais corajoso se continuasse vivo.

 Eu nunca tive medo na morte, sabe? Nós nunca tivemos. Lembra quando a gente brincava de cortar a cabeça das minhas bonecas? Foi aí que percebi que queria ser mais corajosa, que queria ver como a vida me enfrentaria e como eu enfrentaria a vida e jogaria com ela pra vencer, pra ficar aqui. Ela às vezes me dá um tombo, me faz cair, então eu choro a noite toda, porque é difícil cair, é difícil PERSISTIR, mas aí no outro dia eu levanto e dou uma risada e digo: 'você não vai me vencer', e parece até que ela se amedronta comigo e as coisas vão entrando nos eixos. Acho que decidi ser mais corajosa vivendo, coisa que você deveria fazer também.

 Eu não vou te ver, não vou porque não tenho tempo e nem disposição. Tenho trabalhado arduamente pra conseguir uma boa grana pra gastar nas minhas férias. E além de tudo, mesmo que não estivesse ocupada não iria. Cansei de oferecer a minha ajuda pra você e ver você fazendo as mesmas coisas todas as vezes. Eu não tenho amor de mãe, Ju. O meu amor é como qualquer outro amor por aí, é um amor que se cansa, que se esgota, que se retrai, que se remói com as mágoas e dores causadas. Eu não vou, porque eu já te disse mil vezes o caminho por onde ir, já te disse mil vezes que estou aqui pra chorar as suas lágrimas quando quiser, mas você tem se machucado, tem se maltratado e maltratado todas as pessoas à sua volta e eu não consigo perdoar as pessoas que fazem mal às pessoas que eu amo. Não vou porque tenho aquele meu velho problema de trocar ou carregar ou compartilhar do astral das pessoas e deixá-las mais aliviadas, e eu mais carregada.. Acredita que um dia me disseram que isso era um dom? Não nasci pra Madre Tereza, Ju, e não posso te ajudar agora porque EU preciso da minha ajuda mais do que qualquer outra pessoa e como eu te disse, todos os braços das pessoas ao seu redor estão voltados pra você, mas você insiste em olhar pro sol.

 Quero ajudar você e não queria que isso soasse como um tapa na cara, mas realmente é como eu disse, acho isso meio impossível.
 Mas se pra você, não soar como um tapa na cara, você não entendeu nada do que eu disse, então volte e leia de novo porque esse é o único meio que eu encontrei de ajudar você assim, à distância.

 Eu te amo, e espero realmente vê-lo fora da clínica de reabilitação.
 Viva, por você, por mim, e pra enfrentar a vida todos os dias, porque alguém além de mim precisa rir na cara dela.
 Sinto saudade de você.
 Se cuida.



Obs: A votação do TopBlog 2010 começa dia 06/05/2010