terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Sobre Diferenças

Fazia alguns dias que ela que ela não dormia bem. Dormia tarde, acordava cedo e os sonhos dela quase sempre eram interrompidos.

Eram 03h27minh e ela acordara, assustada, não com o sonho que tivesse tido, mas com aquele sonho que ela vivia, o sonho do qual jamais poderia acordar. Pessoas como ela, quando tem problemas pensam demais, mas a única coisa que seus pensamentos lhe trariam aquela noite seria uma maldita insônia. Pense bem às 03h27minh da manhã você não vai achar nenhuma solução racional, pra nenhum problema urgente. A não ser que seja uma dor enorme na bexiga, daí você levanta, vai ao banheiro e faz xixi e volta a dormir. Ela com aqueles problemas todos e pra completar; insônia. Amanha estaria com um mal-humor tremendo.

Ela continuou pensando, pensando naqueles problemas pros quais ela não tinha solução, ela percebeu que não poderia resolver esses problemas, sozinha, não esses que a incomodavam tanto e não envolviam só a ela. Então ela chorou. Ela gostava de ter tudo a sua mão, planejar antecipadamente, resolver, controlar, ta aí ela era controladora. Por isso ela chorou.

03h31minh na sua cama, deitada no escuro, debaixo das cobertas, encolhida; ela chorou porque tinha medo, porque sentia o peso da incerteza do futuro, porque ela sabia que apesar de estar ali ao lado dele, amanhã seria um outro dia e ela tinha medo das cores, dos ventos, dos sons e dos sentimentos que pudessem afastá-lo dela. Ela chorou porque enfim pode ser dona de alguma coisa, mas uma coisa que ela perderia. Ela chorou porque ele a abraçava forte agora, sem entender o porquê daquele choro. Ela chorou porque ela seria sempre dele e porque isso a mataria isso a corroeria todos os dias e todas as noites em que ele não estivesse lá. Ela chorou porque esse era mais um fim de semana em que ela teria de dizer " eu te espero ", ou " até mais ", ou " não se perca ", ela chorou porque ela queria explicar tudo isso a ele sem que ele pudesse achá-la ridícula, ou ingrata, ou profunda, ou exagerada como sempre.

O jeito de demonstrar os sentimentos era o que mais diferia ele, dela. Ela nunca o vira chorar, nem lastimar, nem desabar, mesmo com aqueles problemas todos, mesmo com a distância, com a insegurança, mesmo com as complicações, com a falta de esperança. Mas o fato é que, sim, ele a amava, a seu modo claro, mas amava. A verdade é que eles viviam, amavam e sofriam em intensidades diferentes. E não se pode dizer quem é que ama mais que o outro. Mas nesse momento ele a abraça forte e ela chora, também, por achar que esse alguém; é ela.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Sobre Interpretação.



_Ela é infeliz ?

* Te digo que é. Ela é movida pela paixão.

_ E o que de mal há nisso? Somos todos movidos pelas paixões.

* Ouça bem, eu disse; Ela é movida pela paixão. No singular! Acontece que a paixão por alguém a move em todo e qualquer segmento; amoroso, social, profissional, acadêmico.

_ E o que de mal há nisso?

* É que sozinha ela é infeliz.

_ Mas ela está sozinha agora?

* Ela acha que está.

_ E porque ela é tão quieta? Porque ela não grita, se dilacera, pede ajuda? Porque ela não assume que precisa de alguém?

* Ela espera que não percebam. Ela espera que não vejam o quão vazia, oca e desinteressante ela é. Porque deve ser horrível se sentir vazia como ela se sente. Alguém que precisa incessantemente de algo que a complete. Ela espera que não percebam.

_ Deve ser um tédio ser ela não é? Alguém que ostenta o tempo todo, uma casa de fachada tão bonita, tendo que esconder a estrutura podre com madeiras corroídas por cupins. E o que ela faz?

* Ela enfeita os jardins da casa, mas não leva nenhum jarro de flores pra dentro. Pinta as paredes, ilumina com luzes brancas por fora, escondendo o interior sujo, escuro e cheirando a mofo.

_ E o que ela espera com isso?

* Alguém que não tenha tempo de olhar pra dentro. Que olhe aquela casa por fora e se apaixone por ela antes de entrar e remexer lá dentro, onde só ela sabe o que tem. Onde só ela sabe o que cheira mal, o que é podre e o que é fraco.

_ Mas que bobagem. Deve haver mais alguém que precise de paixões. Ela não precisa se esconder.

* Não, ela não precisa. Mas ela não quer que saibam o quão podre é a sua existência. Ela só não quer que saibam que ela veio ao mundo para amar inutilmente tudo aquilo que a faz bem. Ela não quer que saibam da precisão desesperada que ela tem de prender, guardar, reter tudo o que lhe causa prazer, alegria ou dor. Afinal, as pessoas não entendem porque tanta precisão. Ela não quer que saibam que ela é incompleta, e só.

_ Mas que bobagem! Como é que você pode tirar isso de uma foto? Isso tudo é uma bobagem Rafael. Será que agora você pode parar de olhar pra ela, tirar a sua roupa e tomar uma ducha ou ir pra banheira comigo?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Sobre Destino

Você já olhou pra vida de alguém e pensou: Essa era pra ser a minha vida? Não que aquela vida seja melhor, ou mais luxuosa, ou mais gostosa, ou mais fácil, simplesmente era pra ser sua, se você tivesse tomado às atitudes necessárias. Quando você muda suas escolhas isso influencia diretamente no seu futuro. E as minhas escolhas me levaram `a lugares bem longe e diferentes dessa vida.
Eu conheci um cara, que tinha tanto brilho nos olhos ao falar de seus sonhos, que ele seria capaz de chegar a qualquer lugar, seria um presidente, um ator, um diretor renomado, ou um médico. Não, ele não queria ir tão longe, ele só queria estudar, um diploma, se formar, talvez elétrica, ou mecânica, algo que tinha a ver com o seu trabalho na época. Hoje os olhos dele brilham quando fala da mulher, ou da filha, ou dos poucos móveis sendo pagos aos pouco em prolongadas prestações, daquela casa alugada, ou da programação de Domingo, do filme alugado de Sábado. Deve haver um pouco de dignidade nisso tudo!
Ele quis namorar comigo. Eu me casaria com ele. Se o tempo não tivesse passado, se os sentimentos ainda fossem os mesmos, se não aparecessem outras oportunidades, se as minhas escolhas não tivessem mudado.
Hoje eu vi naquela vida algo que era pra ser meu. Aquela menina de 16 anos, que tem uma filha de seis meses, que pode ver na filha dela a sua herança para o mundo, que mora em uma colônia onde todo mundo sabe da vida de todo mundo, perto de uma usina de cana, que não corta o cabelo porque o marido não deixa, que não fura a orelha da filha porque o marido não quer, que fica em casa cuidando da filha, da casa, das coisas do marido, cuidando pra que os vizinhos não tenham o que falar dela, ou se quer da vida deles. Deve haver alguma dignidade nisso tudo!
Porque no fim os meios são mesmo justificáveis. E se ela mora lá, naquele mundo afastado da cidade, da correria, se ela parou de estudar pra morar com alguém e ter filhos, naquelas ruas não asfaltadas, empoeiradas, onde um caminhão pipa da usina vai jogar água nas ruas pra abaixar a poeira, onde ela não faz nada sem a permissão dele, se ela foi morar lá é porque ela o ama. E no fundo sabe que ele a ama também.
Deve haver um pouco de dignidade nisso tudo, mas eu não vejo, não consigo ver, porque fomos criadas diferentes, estudamos com finalidades diferentes, nossos pais se importavam com coisas diferentes. E que me desculpem as donas de casa, mas eu não nasci pra ser Amélia.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Sobre Orgulho.

A visão turva dava-lhe a impressão de embriagues. O sono dava-lhe a impressão de estar dopada. Estar sozinha dava a ela a impressão de estar sozinha. E estava mesmo sozinha.
Por tanto tempo vinha tentando numa árdua tarefa afastar todos os amigos que tinha, ora consciente, ora não. Quão dedicada ela foi que o êxito veio com o tempo. Sem ao menos se dar conta esperava agora todas as noites por qualquer telefonema, todos os dias por alguma carta, convite; casamento ou batizado. Mas apesar de estar sozinha ela se sentia incrivelmente orgulhosa. Porque apesar dos convites de batizados, formaturas e vernissages que ela sempre recebia, ela realmente não tinha amigos. E ela estava orgulhosa de não ter amigos? Ela estava orgulhosa de conseguir, de ter traçado uma meta e realizado com sucesso. É ela estava tão acostumada com êxitos profissionais que há tanto tempo não sentia as borboletas no estômago de qualquer conquista nova, que vinha de outros rumos, outras continuações.
Naquele apartamento de paredes cor tons pastéis, cheio de figuras recortadas que no fim nunca se encaixavam papéis espalhados pelo chão, desenhos, revistas, copos, garrafas, cinzas, fósforos, fotos, naquele apartamento escuro que ficava naquela loucura metamorfósica do centro da cidade (em que nas noites, se podia ouvir o barulho da freada dos carros que quase não paravam naquele cruzamento, em que nos dias a buzina não deixava espaço nem mesmo pra o motor daqueles ônibus coletivos).
Ela deixava a janela aberta, a luz da lua e a brisa da noite deixavam ver os pedaços de panos cor de pêssego que ela insistia em chamar de cortina, se mexerem levemente. Deixava ver o telefone na mesinha, abaixo do abajur desligado, do lado do sofá onde ela estava. A lua que estava cheia e invadia a janela dela, clareava também toda a metade da sala onde ela estava, clareava parte do rosto dela. E se você pudesse ver ela agora, veria aquele semblante tranqüilo e aquele sorriso de quem se delicia no rosto quase iluminado dela, ali, como um cão de guarda assegurando a sua vitória. A vitória solitária e amarga que era só dela, o êxito de conseguir algum sucesso na vida pessoal, um sucesso sem glória, prêmio ou platéia se quer.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Sobre sonhos.

É isso aí, vamos olhar os nossos sonhos destroçados no chão e lamentar, mais nada. Vamos chorar pelo que ficou pra trás, lamentar o que não virou realidade, deplorar as oportunidades que não tivemos, vamos nos lastimar, mais nada. Já está tarde, não há mais tempo, amanhã sonhamos outras coisas, ou as mesmas. Hoje já não há mais tempo pra planejar outros rumos, calcular novas saídas, tentar de outras formas, imaginar outras vidas. Hoje já não há mais tempo, vamos olhar nossos sonhos destroçados pelo chão, como os nossos corações, e lamentar, mais nada.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Sobre o Passado.

Eramos 3.
Eu ela e alguma sombra qualquer do passado que as vezes parecia se instalar entre nós. Era como se precisássemos um do outro para sobreviver no presente pelas lembranças do passado. E relutávamos em admitir algum estrago que o passado pudesse fazer no presente, afinal "passado e passado"; repetiamos incessantemente quando as discuções começavam.
Era como se ela pusesse todas as outras no chão, como se, com ela, eu tivesse a impressão de que eu realmente não tivesse um passado e tudo o que eu conhecesse fosse só um filme triste passado na sala de um cinema qualquer e que eu jurei não tornar realidade nunca e isso justificava o medo de a história se tornar realidade ( e não mais medo de ela se repetir ). Mas quando eu não estava com ela era como se tudo tivesse mesmo acontecido e eu estivesse vendo acontecer denovo.
E o corpo dela está aqui agora, mas eu não sei onde ela está, eu não sei qual a sombra que a atormenta, qual o medo, o que ela pensa, eu não sei onde está a parte que deixa o corpo dela mais quente, eu não sei onde está o meu equilíbrio, a minha sanidade. Eu ja nem sei se ela está aqui.
Na verdade agora eu não sei mais se eu vivi tudo aquilo, se eu senti ou se eu estava mesmo naquela sala de cinema escura, fria e quase vazia, chorando e jurando que eu nunca deixaria aquilo acontecer comigo.