Eu fiquei olhando pra ela com um sorriso complacente enquanto
ela falava que ele era quase vinte anos mais jovem e moreno e forte, ela sorria
e suspirava com o ar de quem sonha tão alto quanto aviões voam. Eu ouvia e
sorria, junto com o sorriso dela ao mostrar como ele era independente e
trabalhador.
Me ensinou como descobrir o endereço dele com a placa do
carro e um conhecido na polícia civil. Cheguei a achar engraçado ela sonhar que
aquele Deus grego pudesse andar com ela de mãos dados no parque aos Domingos. E
concluiu que depois que arrumasse alguns dentes que caíram, pintasse alguns
cabelos brancos que cresciam e emagrecesse alguns quilos que sobravam, por
certo ele seria seu. Afirmou, garantiu até, “você vai ver”, ela disse. E eu
sorrindo pra ela cheguei a pensar que com certeza o amor era muito ridículo.
Mais tardem cheguei em casa e olhei pra você, com todos os
dentes enfileirados numa ordem arquitetônica tão certa, sorrindo pra mim,
fazendo meu jantar, e recolhendo a toalha que secava pra que eu pudesse tomar
banho, ouvi a musica que havia colocado no som.
Ouvi sua voz grave ordenar pra que eu não demorasse e
pedindo desculpas pela bagunça que faz toda vez que está na cozinha. Eu respondi
que louça seria minha se problemas, mas não sei se prestei muita atenção no que
você disse depois.
E olhei pra você mais uma vez, pros braços fortes e pernas
grossas, tanto quanto sua voz, e suas mãos firmes, tanto quanto seus pés ao
chão, e sua barriga não lisa que esquenta minhas costas a noite num encaixe
perfeito e sua mania de arranhar a garganta como quem sempre tem algo engasgado
pra falar...
E olhando pra você assim, cheguei à conclusão de que eu
talvez tivesse também alguns dentes pra arrumar, alguns cabelos pra pintar e
alguns quilos à perder. E olhando pra você eu sorri, pensando que talvez o amor
seja mesmo muito ridículo, mas com toda certeza que há no mundo: o amor é tão absurdamente
possível.