Posso parar de andar da sala pro quarto e do quarto pra
cozinha. Você ainda não vai chegar. O dia inteiro fico contando as horas até às
8 da noite e depois das 8h começo a contar os minutos e refazer mentalmente os
caminhos pra você chegar.
20:10 você me liga. Hoje você não vem. Se aborreceu com
alguma coisa que eu disse. E pra mim a culpa é sempre sua. Que levou a sério
uma brincadeira, que está atrasada segundo o meu cronograma, que só diz coisas
imbecis, ou que nasceu de uma mãe que me obrigou a chama-la de vaca.
A espera de um dia inteiro resumido em meia dúzia de
acusações, duas latas de frustração e uma pitada de mentiras idiotas que eu
falei pra te ofender. A espera culminou nessa angústia, que é querer voltar o
tempo pra não ter falado nada e ter você na minha porta. Eventualmente, quando
isso acontece, eu choro.
Você me gira a cabeça menina, me vira do avesso, me adivinha
até a sede. Você me deixa sem saber o que fazer, querendo chorar de desespero
quando começa essas acusações sem fundamento, querendo mandar você ir embora,
me esquecer, sumir de vez, voltar pra cidade dos seus pais e nunca mais me
procurar. Me deixa morrendo de ciúmes quando sai com aquelas pinturas e as
pernas de fora e o decote também, e vem dançando do meio da pista até o bar, só
pra me provocar.
Você me tira do rumo quando quer me proteger do mundo,
quando não deixa que as pessoas se aproximem de mim, quando me esconde do mundo
e mais ainda quando me esconde do SEU mundo. Você me vira do avesso quando jura
que nunca mais quer me ver na frente e no mesmo dia me liga e pergunta se
podemos nos ver pra conversar.
Você me tira do sério, faz da minha vida uma prévia do
inferno, mas sempre me leva pro céu.
Parece uma criança que acabou de cair no chão na saída da
escola, olha pros amigos e olha pra mãe, e segura o choro pra não passar
vergonha, mas ao mesmo tempo sabe que perde a delícia de chorar em colo
abrigo. Pra mim você tem sempre essa
cara, cara de quem pede abrigo, cara de quem quer proteção nos meus braços. E
você nunca quer sair de baixo das minhas asas e eu quero te manter abrigada pra
sempre.
Você que tem esse jeito desajeitado de sentar, de se portar,
que não tem ideia da mulher que você é, do olhar seu arredondado e de como sua
boca fica macia no meu pescoço. E a sua
risada que fica horas me fazendo feliz, você que é insubstituível, e eu que
prefiro os domingos de tédio e televisão a sair sem você. Seu olhar observador,
que me deixa envergonhada, e seu sorriso sempre atento. Você que elogia minhas
aventuras culinárias e suporta minha ferrenha autocrítica, você que me ajuda a
odiar pessoas odiáveis, você que é tão bipolar.
Mas eu, mesmo assim, sou perdidamente apaixonada por você, pelo
seu jeito de sentir pudor, de me surpreender, de me ensinar a amar você, de se
desculpar pela culpa que é minha, de se arriscar em mim. Eu te amo por me
deixar gostar de cada centímetro quadrado do seu corpo de pintura renascentista,
você que é tão amável menina.
Há seis meses você largou tudo por mim, por nós. Casa dos
pais, vida sem despesas domiciliares, cidade de praia, amigos de uma vida. Você
que largou tudo por alguém que nem sabia retribuir tanto amor. Você faz da
minha vida furacão e eu retribuo em pé de igualdade. Você grita comigo, e eu
respondo mal criada, e você me acusa de coisas que eu nunca fiz. Já terminou
comigo umas 23 vezes pra pedir desculpas no dia seguinte. Você me dá desespero,
raiva, vontade de estrangular você, mas você me faz amar você perdidamente,
irremediavelmente.
Eu precisava de amor, eu precisava de alguém real, e você é
pura carne, é sangue, pulso batendo forte. Você ama como não se ousa amar outra
pessoa na vida, e buscaria uma estrela, ou um cometa se eu pedisse, você me dá
tudo que pode e faz por mim o que ninguém fez.
Seu amor é pura doação, mas não é solidário, não é altruísta,
você quer muito em troca, você quer tudo em troca, mas porque dá até ficar sem. Amar como você, eu nunca
vi, não tem ninguém.